sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Uso do LHE, A, O


LHE – objeto indireto, uso formal
A primeira coisa a notar e gravar é que o pronome LHE é a sintetização de a ele/ela ou a você (ou ao senhor e outras formas de tratamento correspondentes), quando a prep. A é insuprimível, pois introduz um objeto indireto. Em outros termos: o pronome LHE só é usado com verbos transitivos indiretos que exijam a preposição A ou PARA. Ele serve tanto para o masculino quanto para o feminino e só se refere a pessoas. Então: falei-lhe = falei a você (não se diz *falei você); disse-lhe = disse a ele; já lhes informaram? = já informaram a vocês?; entreguei-lhe o livro = entreguei a ele [o livro]; mandei-lhe flores = mandei [flores] para ela.


O e A – objeto direto, uso formal
Quando não cabe a preposição A ou PARA, significa que o objeto é direto; neste caso o pronome a ser usado para substituir pessoas ou coisas é O para o masculino e A para o feminino: entreguei-o ao bibliotecário = entreguei o livro; entregou-o para as milícias = entregou o refém; mandei-a embora = mandei a moça embora; mandei-as para Celina = mandei flores para ela.

Na linguagem culta é assim que se fala. Ou melhor, é assim que se escreve. Na fala brasileira de todo dia pouco se ouvem tais pronomes oblíquos. Contudo, em textos bem elaborados, em que se pode planejar a escrita, deve-se fazer uso do LHE e do O/A como ensinado. E para isso é preciso um bom conhecimento não só das regras mas também da transitividade verbal.

ELE E ELA – objeto direto, uso coloquial
Basta ligar a televisão e ver uma novela ou assistir a uma entrevista para se constatar o emprego bem brasileiro dos pronomes retos (sujeitos) ele/ela como complemento de verbos transitivos diretos: vimos ele, conheço ela, convenceu eles, deixou ele ir, vou convidar ela, quero aproveitar ela [a oportunidade]. Já com o infinitivo é um pouco mais comum ouvir os pronomes O/A na forma de LO/LA: vou convidá-la, quero ajudá-lo, não queremos deixá-los...

Mesmo bons escritores e publicitários usam tais formas em textos informais, infantis, ou quando descrevem situações coloquiais. Por exemplo, em M istério do Coelho Pensante, livro infantil lançado em 1967, Clarice Lispector emprega várias vezes construções verbais como tomei ele. Outro exemplo, agora de publicidade: “A distância faz o coração bater de saudade. Uma ligação faz ele disparar.” Como se dirige a um público amplo, “faz ele” tem mais apelo, soa mais natural do que “fá-lo” ou “o faz”.

Aliás, cumpre anotar que esse uso é antiqüíssimo. Há registros no português arcaico: “E o senhor disse... que enforcariam ele” (Coutinho , I .L.
Gramática Histórica. RJ: Liv. Acadêmica, 1968, p.67).

LHE – objeto direto, uso informal
Por último, mencionemos a tendência atual dos brasileiros em transformar O/A em LHE. Essa invasão de área está acontecendo porque: 1º) o O tem pouco corpo fonético, baixa audibilidade, e portanto comunica mal; 2º) no conjunto dos pronomes oblíquos, LHE se encaixa melhor do que O: me, t e, se, lhe, com a vogal (e) apoiada por consoante, em vez de uma só vogal (o, a), formam uma seqüência mais espontânea. E se os três primeiros podem funcionar também como objeto direto, por que o lhe não poderia? – é a pergunta que parece saltar à mente. Vai daí que já não soam erradas frases asssim: “Amigos fazem você sorrir e lhe dão apoio; eles lhe elogiam e têm o coração aberto para você”.
De qualquer modo, o correto pela norma padrão é “eles o elogiam, eu o vi (ou: eu vi você), não a conheço, espero convencê-lo”, e não “eu lhe vi, não lhe conheço, espero lhe convencer”.


Além disso, parece que O/A se refere apenas a ele/ela, e LHE a você, até pela semelhança com TE. Para exemplificar, cito o diálogo de uma crônica do escritor Amilcar Neves publicada no jornal Diário Catarinense. A voz feminina sussurra: “Vou deixá-lo definitivamente.” Ele se surpreende: “Deixar-me?” Ela esclarece: “Falei que ia deixá-lo, e não que ia deixar-te.” E o autor põe sua sutil ironia na réplica do rapaz: “é verdade, desculpa-me. Português nunca foi o meu forte...”

Lembro que, apesar de tudo, nos vestibulares e concursos para em pregos públicos buscam-se pessoas com o domínio da língua culta, que saibam aplicar formalmente esses pronomes.